As ditas parábolas da misericórdia, presentes
no capítulo 15 de Lucas – a ovelha perdida (Lc 15,1-7), a moeda perdida (Lc
15,8-10) e o filho perdido (Lc 15,11-32) mostram um Deus capaz de se compadecer
dos seus; um Deus que olha com a ternura do coração para a miséria humana.
As três parábolas constituem, na verdade, uma
única parábola, que se mostra como o coração deste Evangelho. O autor condensa
as três fazendo perpassar em todas as mesmas características: o amor e a
misericórdia de Deus com os pecadores.
Nessas parábolas, todos são chamados a
“participar na alegria de Deus, que agora, por meio de Jesus, acolhe e salva os
pecadores” (FABRIS; MAGGIONI, 1992, p. 159, v. 2). Um Deus maravilhoso, próximo
à pessoa e salvador, cheio de bondade, só pode sentir imensa alegria por quem
estava perdido e foi encontrado. O trio tem como centro o amor e a bondade de
Deus, operantes e visíveis em Jesus. “As três parábolas da misericórdia (cf. Lc
15) mostram o ‘Deus alegre’, quando resgata, liberta e traz de volta os seus
filhos perdidos” (MURAD, 1996, p. 80). É isto que Lucas faz questão de mostrar
nesta grande parábola central de seu Evangelho.
A
ovelha perdida (Lc 15,4-7). O pano de fundo das três
parábolas é uma controvérsia surgida entre os fariseus acerca do acolhimento
que Jesus dispensa aos pecadores (v. 1-2). Lucas centraliza sua teologia na
oferta gratuita de Deus a todos os povos: Jesus Cristo, boa-nova universal de
Deus. Essa proposta resulta na esperança de salvação. Deus salva através de
Jesus Cristo. Esta salvação significa acolhimento, comunhão e vida para os
excluídos.
O evangelista luta contra a ideia purista dos
fariseus e escribas, que criticam a abertura da comunidade lucana aos pecadores,
onde todos comem juntos. Jesus come com os pecadores, entrando em comunhão com
eles, abrindo um precedente para a comunidade fazer o mesmo. Lucas mostra que
Jesus arrisca noventa e nove ovelhas para ir atrás da ovelha perdida, mostrando
a necessária disposição da comunidade de acolher a todos. Contra todo purismo e
legalismo, Lucas apresenta uma solução: a misericórdia, marca registrada de
Deus.
A
moeda perdida (Lc 15,8-10). Esta parábola está conectada
à anterior. Lucas relata o episódio propondo a delicadeza ao buscar algo
perdido. Assim também a comunidade lucana deve anunciar a Palavra com zelo, com
cuidado a quem ainda não a recebeu. E tudo que estava perdido, quando for
encontrado, deve ser bem recebido na comunidade, com muita alegria e festa.
Lucas quer realçar a grandeza e a intensidade
da alegria divina pela chegada dos “pecadores” à comunidade. A conversão do
cristão acontece no encontro com Jesus misericordioso que acolhe o pecador. Por
causa disso, a comunidade dos discípulos tem o mesmo dever e obrigação de
continuar a missão de Jesus.
O
pai misericordioso (Lc 15,11-31). Nesta narrativa Lucas fecha
o trio das parábolas sobre a misericórdia e acolhida. O evangelista apresenta o
ponto máximo do reencontro. O filho volta para casa não por amor ao pai, mas
por necessidade. Quando o pai o avistou ao longe, moveu-se de compaixão e o
acolheu, não se importando em saber o motivo que o trouxe de volta. Fica clara
a iniciativa do Pai que vai ao encontro do filho. Lucas quer ensinar a
compaixão e a misericórdia à sua comunidade.
É interessante observar a forma de acolhida.
O pai não leva em consideração a atitude anterior do filho, ou seja, seu
egoísmo. Vai ao encontro, acolhe-o e sem reservas o reabilita na sua condição
humana, convidando-o para a mesa, num clima de alegria e festa. O que mais
sobressai nesta parábola “é o acolhimento festivo e amoroso do pai ao filho que
regressa: imagem da misericórdia de Deus sempre pronto a perdoar” (JOÃO PAULO
II, RP, 2009, n.5). Lucas quer mostrar que Deus é rico em misericórdia como o
pai da parábola. Ele está sempre de coração aberto para receber seus filhos.
Deus espera, procura e vai até o encontro dos seus, pois quer reunir todos à
volta da sua mesa com maior alegria e festa.
Teologia
da Palavra. A teologia de Lucas quer mostrar a força
transformadora da Palavra de Deus e sua difusão, ou seja, como a Palavra chegou
a todo canto. O Evangelista expõe claramente que através da pregação de Jesus,
a Palavra e o movimento cristão vão crescendo. Vemos nas parábolas que a Palavra
é a grande protagonista, o motor que movimenta a crescente adesão para quem
está ouvindo Jesus.
A Palavra é autônoma, toma iniciativa, é Boa
Notícia: Deus enviou ao mundo o seu Filho para nos salvar. E essa salvação não
se dá depois da morte, mas é na história, isto é, a paz, a reconciliação, a
libertação e a vida. Tudo isso, já vimos como Lucas mostra através das
parábolas.
Jesus é a Palavra que se espalhou por todos
os lados anunciando o Reino de Deus; é como as sementes que caem na terra, e
terra diversificada que são os próprios homens (cf. Lc 8,4-15). Através dessa
Palavra anunciada, Deus oferece o perdão e a salvação para todos; é como uma
luz que brilha, todos podem ver, não se pode mais ocultar. Para Lucas, anunciar
o Evangelho é gesto de total misericórdia com os ouvintes, especialmente com os
pagãos que viviam excluídos da salvação.
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Leia também os seis artigos anteriores da
série “O Jesus misericordioso em Lucas”: