Dizia o famoso orador romano, Cícero, que “a história é mestra
da vida” (na obra De oratore, II, 9,36). Trata-se de uma sábia indicação que
podemos aplicar também na questão relativa à Missa, celebrada no domingo ou nos dias da semana. Vamos,
pois, à história da Missa, a partir dos dados do Novo Testamento e da primitiva
história da Igreja.
O ponto de
partida da nossa fé, como proclamamos no “Credo”, é Jesus, que nos salva por
meio de Sua morte-ressurreição. A fé dos discípulos, que tinha entrado em crise
com a morte de Jesus, renasce e se fortalece com a Sua Ressurreição. E a
Ressurreição de Jesus aconteceu no domingo. Desde o início, os cristãos
celebraram sua fé na ressurreição por meio da Eucaristia, da Missa, exatamente no domingo, que os cristãos de
origem judaica indicavam como “o primeiro dia da semana”.
Quando foi a
primeira Missa?
O primeiro nome da Missa foi “a fração do pão”. Lemos, por exemplo, no
livro dos Atos dos Apóstolos, escrito por São Lucas, que é testemunha desse
fato, o seguinte: “No primeiro dia da semana, estávamos reunidos para a fração
do pão” (Atos 20,7). Atenção: isso acontece durante a terceira viagem
apostólica de São Paulo, no ano 58 depois de Cristo. Passaram-se apenas 28 anos
da morte-ressurreição de Jesus: e os cristãos já tinham o hábito de celebrar a
Eucaristia, a Missa, no domingo, que era “o primeiro dia da semana”. Tal
celebração, relatada no citado texto dos Atos, mostra que, substancialmente, os
apóstolos seguiam o mesmo “esquema” da Missa de hoje: celebrada no domingo e
dividida em duas partes, a saber, a liturgia da palavra (20,7) e a liturgia
eucarística, com o “pão partido” (20,11).
Aliás, essa ligação entre Ressurreição e “primeiro dia da semana” se encontra, de maneira
significativa, no capítulo 20 do Evangelho de João. “No primeiro dia da semana”
(João 20,1) Jesus ressuscita e aparece a Maria Madalena. E “ao anoitecer desse
dia” (João 20,19), Jesus aparece a dez discípulos: não doze, pois Judas havia
se enforcado e Tomé estava ausente. Mas, “oito dias depois” (João 20,26), quer
dizer, no domingo seguinte, Jesus Ressuscitado apareceu novamente, estando
presente também Tomé.
Uma ligação entre Missa e domingo é encontrada também, no fim da
primeira carta aos Coríntios, dentro da iniciativa do apóstolo Paulo, que
estava organizando uma coleta em favor dos pobres de Jerusalém. Ele, pois,
escreve: “Todo primeiro dia da semana, cada um coloque de lado aquilo que
consegue economizar” (1Coríntios, 16,2). Era o dia da Missa, na qual, desde
então, já aparece a participação dos fiéis até com espórtulas em dinheiro para
ajudar os pobres.
“Senhor” é o título de Jesus Ressuscitado, como lemos, por exemplo, na
Carta aos Filipenses: “Para que toda língua confesse que Jesus Cristo é o
Senhor” (2,11). Mas, na língua latina, o termo “senhor” se traduz com a palavra
“Dominus”, de onde vem o termo português “domingo”, quer dizer, dia do Senhor
ressuscitado. Essa palavra, “domingo”, torna-se comum já na época apostólica,
pois foi num dia de “domingo”, dia do Senhor, que o apóstolo João recebeu as
revelações relatadas no livro do Apocalipse (1,10).
A Eucaristia
Essa ligação entre domingo e Eucaristia é confirmada pelos
testemunhos dos cristãos dos primeiros séculos. Santo Ignácio de Antioquia, que
foi martirizado no começo do 2º século, assim escrevia na sua epístola aos
Magnésios (9): “Não precisamos mais manter o sábado, como fazem os judeus.
Deve, todo amigo de Cristo, observar o Dia do Senhor como festa, o dia da
ressurreição, a rainha e comandante de todos os dias da semana. Foi nesse dia
que a nossa vida renasceu e a vitória sobre a morte foi obtida em Cristo”. E o
mártir S. Justino (metade do 2º século), na sua “Apologia” (I,67), fala da
celebração eucarística que os primeiros cristãos comemoravam “no dia do sol”,
como era chamado o domingo no ambiente do Império Romano. Eis o que ele
escreveu:
“No dia que se chama do sol [domingo], celebra-se uma reunião de
todos os que moram nas cidades e nos campos, e ali é lido, enquanto o tempo o
permite, as recordações dos apóstolos ou os escritos dos profetas”. E continua
falando da homilia, da oração dos fiéis e da liturgia eucarística (consagração
e comunhão).
Certamente, toda
eucaristia é importante, também aquela que não é celebrada no domingo, pois,
como diz o apóstolo Paulo, “todas as vezes que vocês comem deste pão e bebem
deste cálice, estão anunciando a morte do Senhor até que Ele venha”.
(1Coríntios 11,26).
Não podemos, no
entanto, esquecer que, no começo, a Missa era celebrada exatamente no domingo,
para os cristãos manifestarem, juntos, sua fé na Ressurreição de Jesus. Esse é
o ponto de partida da nossa fé cristã. Naturalmente, quem puder participar,
também nos dias da semana, vai fortalecer sua comunhão com Jesus. Papa Francisco nos traz essa bela novidade: é o primeiro Papa que
partilha, pelos meios de comunicação, a homilia que ele profere durante a Missa
celebrada nos dias da semana.
POR: Lino Rampazzo
Doutor em
Teologia pela Pontificia Università Lateranense (Roma).